quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Treze anos, sete meses, 10 dias e algumas horas...relembrando o mangueboy


Apenas dois discos de estúdio e muitas idéias. Esse foi o legado deixado por Chico Science para a música brasileira. Uma proposta de re- leitura do Brasil contemporâneo tão contundente e nova quanto à realizada pela tropicália 30 anos antes, a bossa nova, o samba moderno e a semana de arte moderna de 1922. Não é pouco.
Após o segundo Rock In Rio, festival que era (e continua sendo) uma ode ao americanismo e a globalização como homogeneização (a começar pelo nome), a música popular brasileira que tocava nas rádios parecia querer americanizar a América. Alguns grupos renegavam até o português nessa missão.  Nesse contexto, surgiu um grupo em Pernambuco que mesclava ritmos e instrumentos afro-brasileiros com gêneros musicais globalizados em apresentações vigorosas. 

Veio o acidente em 1997. Em pleno carnaval. Tornou-se um daqueles dias em que lembro onde estava, o que fazia e quem deu a notícia que relutei em acreditar.
O manguebeat - com Chico Science como uma das figuras principais, sofreu um duro golpe. Sem o “norte”, o movimento repetiu-se, institucionalizou-se. Após 13 anos de sua morte, suas idéias fincaram raízes, grupos regionais proliferaram, tanto de maracatu quanto de samba, coco e embolada. Em seu livro “Hibridismos Musicais de Chico Science & Nação Zumbi”(Ateliê Editorial), Herom Vargas destaca que o "mais interessante é observar como o Manguebeat, e, principalmente, Chico Science levaram a tradição para o pop e o pop para a tradição". A originalidade conseguida nessa via de mão dupla conseguiu vencer a resistência de gente como Ariano Suassuna, um dos maiores defensores da pureza das tradições pernambucanas e contrário a qualquer fusão com a música pop. O escritor declarava admirar o artista, ou melhor, seu "lado Chico":
"Com a sua parte Science eu não quero negócio não", e questionava: ”Como uma coisa boa, misturada com uma coisa ruim (referindo-se as influências estrangeiras), pode resultar em algo bom?”
Chico conseguiu essa proeza, Ariano. A idéia dos mangueboys com os pés fincados na lama e a cabeça no mundo (Pernambuco embaixo dos pés e minha mente na imensidão) foi a senha para um movimento de valorização da cultura nacional amplamente esquecido na década anterior. Logo na abertura do primeiro disco, Chico apresenta a proposta estético-política do Manguebeat:

"Modernizar o passado
É uma evolução musical
Cadê as notas que estavam aqui?
Não preciso delas!
Basta deixar tudo soando bem aos ouvidos.
O medo da origem é o mal
O Homem coletivo sente a necessidade de lutar
O orgulho, a arrogância, a glória
Enche a imaginação de domínio
São demônios,
Os que destroem o poder bravio da humanidade.
Viva Zapata!  Viva Sandino! Viva Zumbi!
Antônio Conselheiro! todos os panteras negras!
Lampião sua imagem e semelhança
Eu tenho certeza,
Eles também cantaram um dia."
Monólogo ao Pé do Ouvido

crf

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