domingo, 28 de novembro de 2010

Uma Viagem à Índia - Gonçalo Tavares

O novo livro de Gonçalo M.Tavares, autor da tetralogia intitulada O Reino (Jerusalem, Aprender a rezar na Era da Técnica, Um Homem:Klaus Klum e A Máquina de Joseph Walser) será lançado no Brasil em dezembro. Uma Viagem à India vem sendo considerada a obra-pirma do autor. Segundo Gonçalo, trata-se de uma "epopéia" escrita em versos com proximidade amororsa a Lusíadas de Camões "já que qualquer escritor tem de ter a noção de que não é a primeira carroça, antes deles muitos já escreveram coisas maravilhosas, mas também que não é a última e portanto deve deixar algo para os outros".

Sinopse:
A primeira epopéia portuguesa do século XXI

Imagine uma aventura da mesma magnitude de Os Lusíadas, mas que fosse escrita hoje. Um homem que faz uma viagem à Índia, tentando aprender e esquecer no mesmo movimento, traçando um itinerário de uma certa melancolia contemporânea.

Lançamento previsto para 02/12.

  

           Leio no Canto VII de Uma viagem à Índia, magnífico poema de Gonçalo M. Tavares que a jornalista e amiga Isabel Coutinho me trouxe de Lisboa: "Os homens, de facto, rapidamente desistem de acreditar em aparições, o que é um erro, pensa Bloom". Leio a primeira edição do imenso poema, recém lançada pela Caminho Editorial. Leio e paro. Estou na página 292 _ o livro tem 456 páginas, isso sem contar o itinerário final da Melancolia Contemporânea. Estou só no meio do caminho.

          Releio a frase, abrigada no capítulo 9 do Canto VII: "Os homens rapidamente desistem de acreditar em aparições". Recodo, de repente, numa súbita aparição, que Vinicius de Moraes acreditava em fantasmas. Pouco depois da morte de Antonio Maria, em 1964, viu-o encarnado em pássaro, gordo e vacilante, que sobrevoava o chalé de Visconde de Mauá onde estava hospedado. Psicografou, ali mesmo, uma conversa com Maria. Falaram de dentro para dentro. Eis o poeta.

          Vinicius acreditava em duendes _ e incluía o cantor João Gilberto nessa categoria. Acreditava nos místicos: por exemplo, Jayme Ovalle. Acreditava em quase tudo, por que não em fantasmas? E os temia. Um dia, caminhando por uma rua de Munique, Alemanha, achou que esquecera sua alma em uma esquina. Podia ter esquecido um guarda-chuvas, ou um livro; esqueceu a alma, e não via nada de estranho nisso. Horas depois, em um pub, entre garrafas de uísque e muita fuimaça, ele a reencontrou. Disciplinada, a alma imediatamente se alojou de volta em seu corpo, como um par de sapatos que colocamos de volta em sua caixa.

          Como Arthur Bispo do Rosário, o artista e profeta, Vinicius de Moraes também achava que a alma tinha cores. Ao contrário de Bispo, que via cores fixas na alma de cada pessoa (a minha, por exemplo, ele viu azul), Vinicius pensava que a alma muda de cor segundo as condições emocionais. A traição a torna negra. O sexo, vermelha. O amor, verde. A morte é o momento em que uma alma se torna branca.

          Mas lá vou eu a me perder. Volto ao poema de Gonçalo Tavares e a seu Canto VII e a seu capítulo nono. "Aceitar que a vida é uma sucessão de desaparecimentos _ humanos e materiais _ é esquecer que cada dia tem uma ressonância". Hoje só acreditamos em ressonâncias magnéticas, dessas em que nos enfiam em um tubo e nos afogam em sons. E que depois se convertem (gélido vestígio) em um laudo. Esquecemos dos vestígios humanos, que costumam ser silenciosos. Pegadas. Rastros. Esses restos que deixamos pelo caminho.
          Isso fica e isso gruda. Em mim, hoje, persistem rastros do homem que fui ontem e anteontem. Esse fio secreto de permanência, essas aparição do desaparecido no que aparece, eis enfim o que somos. Dele devemos tratar, como de um cão de guarda. A literatura é a prova mais viva de que disponho para abraçar a tese de Gonçalo. A própria literatura de Gonçalo é a prova mais viva do que ela mesma diz.

          Gonçalo é um grande escritor. Cada dia eu o acho maior. Não porque saiba do que fala, mas porque não sabe do que fala. Esses vestígios existem sim, mas quase nunca os vemos. Não chegamos a tomar posse deles. Não são reações místicas, ou registros espirituais, são coisas humanas. Gonçalo usa as palavras para roçá-los; ele não os vê, quem os vê _ se é que vêem _ são as palavras. Não os vêem: elas os representam. Não foi por acaso que Vinicius se tornou diplomata. 

          Eis onde quero chegar: ou bem o escritor puxa esse fio e repisa essas pegadas, ou não escreve. Pode escrever qualquer coisa _ tudo pode ser escrito. Pode escrever e publicar e consagrar-se. Mas escrever não escreve. Leiam o poema de Gonçalo Tavares e compreenderão isso melhor.

          É um erro não acreditar em aparições. Certo: nós não as vemos _ e, então, a própria palavra, "aparição", come a si mesma, devora-se. Aparições estão por aí, nas entrelinhas. Latejam. Vibram. Sabemos que existem porque se desdobram, porque produzem ondas (ressoam) e se revertem em escrita. Porque os poetas, através da luva fina das palavras, as tocam. É muito pequeno, eu sei, é muito pouco. Mas é tudo _ e é pegar ou largar. 

do blog de Jose Castello 

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