domingo, 25 de abril de 2010

Tradução

0 comentários

Sai dessa, cara. As vozes não paravam de clamar contra minha imobilidade. Vinham de todos os lados e quase podiam ser vistas no saguão iluminado. Todas as máquinas que cuspiam dinheiro continuavam alheias, inertes, putas bem pagas.

Transpor o blindex e não cair na armadilha lá fora me esperando, impossível. Quem dera sair tranqüilamente para o lusco-fusco da rua, trocar uma das notas que acabara de sacar por um cachorro-quente e sentar no meio-fio, gato pardo mastigando e distraindo os olhos à procura do horizonte no fundo preto da praia.

Perceberam que eu não sairia. Também tentavam disfarçar. Atravessaram para a outra calçada. É agora, os demônios atiçavam, sai agora. Mas com certeza eles voltariam. Atravessavam de novo, um por cada lado, e pronto. Com a arma na cabeça, eu entregaria tudo o que tinha.

É agora. As vozes me chamavam lá de fora. Saí. Não teve jeito: os bandidos atravessaram de volta. Um deles já empunhando a arma. Corri para a rua da praia. O carro do cachorro-quente tinha que me ajudar. Depois do primeiro tiro continuei correndo. Pensei que não tivessem me acertado. Engano. O segundo, o terceiro, o quarto iam derrubando as peças arrumadas no tabuleiro, no meio do jogo.

Agora, aqui, o branco que me deu é o mesmo branco das paredes e das roupas que me cercam. Tento colocar em ordem tudo de novo. Recompor cada movimento do jogo até chegar onde estava quando caí. Se as pessoas acreditassem no que falo, seria fácil. Me tirem daqui, eu diria. Mas lá estava o branco das paredes, das fronhas e dos enfermeiros e eu não sabia dizer o que eles entendessem.

Segmento do romance AnaCrônicas (editora 7 Letras) - de Alexandre Faria

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Matéria da VejaRio de 18/04/10

0 comentários
Tatiana e Gabriel Neves: filmes e cervejas importadas na Moviola

A locadora virou programa

O ritual do cliente na locadora era invariavelmente o mesmo. Ele circulava pela loja em meio a uma imensidão de DVDs, separados nas prateleiras por categoria: lançamentos, dramas, comédias, clássicos, nacionais, documentários, desenhos. Na ronda, escolhia um ou mais títulos, pagava no balcão e ia embora para casa ver o filme. No máximo, comprava uma pipoquinha ou um refrigerante. De uns tempos para cá, esse hábito mudou radicalmente, e a diversão, agora, começa dentro do próprio estabelecimento. Em um mercado muito competitivo, as videolocadoras se reinventam para fisgar o freguês, ultimamente um artigo de luxo nos corredores. Elas inovaram suas atrações e viraram um programa à parte. Passaram a abrigar sushi-bar, cafeteria, cervejaria, bistrô, sorveteria e iogurteria. Fora as prateleiras repletas de agendas, camisas e objetos de decoração com ilustrações de personagens e clássicos da sala escura. Pode-se dizer que as lojas hoje “também” alugam filmes. “É preciso diversificar”, aconselha Hélio do Amaral, um dos sócios da rede Vídeo Nacional e ex-presidente da Associação de Videolocadoras do Estado do Rio.

De fato, a locação deixou de ser a atividade fim em muitos desses pontos comerciais, como é o caso da Moviola, em Laranjeiras. Apesar de haver diversos bares perto de sua residência, no Cosme Velho, o empresário Gabriel Moura Neves e sua mulher, Tatiana, são frequentadores da casa, atraídos não exatamente pelo acervo de 6 000 DVDs. O que seduz o casal é a carta de cervejas do bistrô aberto no ano passado, que divide o salão com uma simpática livraria e prateleiras de filmes. Ao todo, ele oferece vinte rótulos raros da bebida, a exemplo da americana Flying Dog. “Só aqui encontro certas marcas importadas”, conta Neves. O horário de funcionamento passou a ser compatível com o de um restaurante e foi estendido até a meia-noite às sextas e aos sábados. Numa promoção típica de boteco, às terças a cerveja sai pela metade do preço durante a happy hour. Dentro da programação cultural há cursos e um cineclube em franca atividade. “Há quem chegue aqui para tomar um drinque ou participar de algum evento e se surpreenda ao ver que alugamos DVD”, revela o sócio Christian Fischgold. A estratégia deu certo. Com os novos atrativos, a casa ampliou o movimento e aumentou em 30% o volume de filmes alugados.

Pujante até meados desta década, a ponto de as Lojas Americanas adquirirem o gigante Blockbuster em 2007, o mercado de aluguel de DVDs aos poucos perdeu o vigor. A pirataria deslavada, a venda de filmes em grandes redes do varejo a preços razoáveis e o hábito de baixar longas-metragens pela internet acabaram por enfraquecer o setor. De acordo com a União Brasileira de Vídeo, em 2004 havia no país 12 000 lojas do ramo, número que despencou para 8 000 no ano passado. Os DVDs vendidos pelas distribuidoras exclusivamente para locação também sofreram um baque: caíram de 8,5 milhões para 4,6 milhões de unidades comercializadas entre 2006 e 2008. Com o consumidor à míngua, o jeito foi usar a criatividade para tentar recuperá-lo. Recém-inaugurada na Barra, a iogurteria Gutifruty é a aposta da Vídeo Nacional. A escolha se deu justamente por ser o ponto de pior desempenho entre os sete endereços da rede. A filial do Jardim Botânico inovou de outra maneira: ganhou uma temakeria, em que os cones de alga, sushis e sashimis podem anteceder os picolés importados de melão ou café com leite. Com 22 anos de mercado e três filiais, a Vídeo Estação foi pioneira na diversificação de ofertas. Seu forte são os produtos de decoração com motivos da sétima arte. Na locadora Macedônia, no Leme, há ainda uma série de produtos à venda, entre agendas, camisetas e objetos para a casa. Abriga ainda uma cafeteria. Como se vê, locadora também é a maior diversão. por Rafael Sento-Sé.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Pelas Ruas

0 comentários
Pelas ruas sentia outonos Vozes que vento dava eram a imposição das musas Que me pediam desejos nis nos correlatos bancos da cidade Ali ficava uma árvore que me olhava Tão inútil tão jardim Sempiterna e mútua autor - Oswaldo Martins

"Branquibocas"

1 comentários
O cruzeiro está assaz alto para não discernir os risos e as lágrimas dos homens. (Machado de Assis) Se nunca mais esqueci meu avô, não foi, com certeza, pelos livros que herdei, mas por causa das histórias que me contava. Acima de tudo por causa daquela, que até hoje atormenta minhas noites, embora eu já saiba conviver com o sofrimento, e os pesadelos sejam bem raros. Mas sempre há uma ou outra noite em que desperto com um grito repentino e desesperado. Minha mulher pula da cama ao meu lado e meu filho, que brinca no quintal, se assusta. Acordo e grito justo na hora em que, no pesadelo, fico face a face com o cão. Meu avô era viúvo, morava sozinho. Suas únicas companhias eram Branquibocas, um vira-latas robusto, e eu, que o visitava todas as tardes, de segunda a sexta. Ao sair da escola, religiosamente passava em sua casa, onde lanchava e ouvia histórias. No início eu sempre ia lá porque minha mãe mandava, mas com o tempo passei a querer ouvir as histórias e acabei criando gosto pelo lanche na casa de meu avô. Ele achara Branquibocas abandonado no Largo do Machado. Dera-lhe um resto de pastel que ia comendo, o cão o seguiu e fixou residência em sua casa, no Cosme Velho. Além de bom companheiro, Branquibocas se tornou o vigia da casa, que era grande demais para um idoso solitário, mas de onde meu avô só sairia morto. O cachorro ganhou potes para água e comida e uma casa de madeira. Era forte, ativo; o pêlo todo negro e algumas manchas brancas ao redor do focinho. Isso lhe valeu o nome estranho que meu avô inventou. — Branquibocas... que nome, papai! Minha mãe censurava. Mas acabamos acostumados. Meu avô era assim. Nunca os personagens das histórias que me contava se chamavam João ou José, mas eram Herminondas, Filosoflandres, Endolarargo, nomes assim. Desde a tarde em que saí da escola e fui apresentado a Branquibocas, passamos a ser dois a ouvir as histórias de meu avô. O cão se aconchegava no sofá, deitava a cabeça no meu colo e ficávamos lá, os dois entretidos. Sua atenção era tão fixa que parecia até entender o que meu avô contava. No fundo acho que ele se tornou um grande amigo da família, ou melhor, um parente mesmo. Eram sempre histórias antigas as que meu avô contava. Coisas do seu tempo, mas que mantinham, a custa de seu talento de narrador, uma graça, um vigor, um interesse únicos. Quase sempre eram histórias dali do bairro mesmo; quando muito, um ou outro episódio que acontecera no centro da cidade ou na Ilha do Governador. Tinha a impressão de que meu avô nunca viajara. Por isso fiquei muito surpreso quando ele me contou a história de uma viagem que fizera aos Pirineus na época da guerra. Uma longa história. continua... autor - Aleaxandre Faria

sexta-feira, 9 de abril de 2010

OFICINA DE CRIAÇÃO LITERÁRIA

0 comentários
Como se forma um escritor? Embora, hoje em dia, seguindo um modismoamericano, já exista curso superior para formação de escritores, sabemos queos grandes talentos não se submetem às escolas.
Entre os nomes que fizeram a boa literatura dos últimos anos, podemos contar médicos, advogados, vendedores, donas-de-casa, todo tipo de profissão, menos escritores de carteirinha.
Mas duas coisas em comum todos eles tiveram, sempre foram leitoresinsaciáveis e circularam entre seus pares. A Oficina LiteráriaTextoTerritório busca atuar nesses dois eixos:
- amadurecer as pessoas com gosto pela leitura, orientando-as na aproximaçãode textos e autores cruciais para a nossa tradição letrada;
- proporcionar aos que manifestam vocação literária o convívio qualificadoentre escritores e críticos, para que seus textos sejam lidos e avaliados pelos pares.
A oficina objetiva a produção individual ou coletiva de textos literários e a trocacrítica sobre essa produção. Organiza-se em módulos independentes, que permitem um fluxo contínuo deingresso e o contato dinâmico entre os atuais e futuros participantes. Cada módulo é composto de 4 encontros que apresentam perspectivas gerais apartir das quais serão propostos diversos temas. De acordo com a avaliação dos trabalhos produzidos, será verificada aviabilidade de publicação dos textos.
Curadoria
Alexandre Faria é escritor e professor de literatura, autor de AnaCrônicas, romance (2005), Literatura de Subtração (1999) e organizador de Anos 70, Poesia e Vida. (2007)
Oswaldo Martins é poeta e professor de literatura, autor de quatro livros publicados, todos pela 7 letras: Desestudos (2000); Minimalhas do Alheio (2002) e Lucidez do Oco (2004) e Cosmologia do Impreciso (2008).
Leia, a partir de segunda, textos dos autores aqui no blog.
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...
Topo ▲