terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Uma edição preciosa para Lima Barreto ou O hospício é logo ali

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A primeira coisa que chama a atenção nesta nova edição de Diário do hospício e O cemitério dos vivos, de Lima Barreto é o capricho. A editora Cosac Naify — como, aliás, é de praxe — esmerou-se na edição de mais este item do seu catálogo.
A ousadia de projeto editorial pode ser admirada em cada detalhe da obra. Desde a escolha dos dois tipos de papel utilizados no miolo, até a escolha de cada elemento iconográfico, passando, é claro por seu projeto gráfico, percebe-se o cuidado que os editores e organizadores tiveram na organização do volume.
Pode-se dizer que a edição divide-se em três partes. A primeira compõe-se do prefácio de Alfredo Bosi; um olhar atento sobre os dois textos, mostrando como o diário fornece a matéria bruta da inacabada ficção de Lima. Esse prefácio seguramente enriquece a fortuna crítica mais recente do ficcionista carioca, somando-se, dessa forma, aos estudos contemporâneos de Beatriz Resende e Carmen Lúcia Negreiros de Figueiredo, autoras de dedicados e inestimáveis estudos barretianos. 
Os dois textos que compõe o núcleo da edição constituem a segunda parte do livro. O Diário é de fato um diário, escrito dentro do Hospício Nacional de Alienados, na praia Vermelha, durante o período de sua última internação entre dezembro de 1919 e fevereiro de 1920; e o Cemitério é um romance inacabado que tem por tema a internação de seu personagem principal em um hospício. 
 Desde a edição das Obras completas de Lima Barreto, em 1956, estes dois textos passaram a ser publicados juntos no mesmo volume. Os organizadores desta primeira reunião de textos do escritor carioca foram muito sábios ao fazê-lo, pois essa proximidade propicia ao leitor um momento raro de compreensão do processo de criação de um escritor que sabe utilizar como matéria prima uma experiência pessoal.
Não foram muitos os escritores que escreveram diários; o próprio Lima pouco se dedicou gênero e, na realidade, de maneira pouco sistemática. Temos esse Diário e temos o Diário íntimo, volume das referidas obras completas, sendo este último mais uma coleta de anotações esparsas, a que provavelmente o romancista tinha idéia de utilizá-las posteriormente, do que um diário stricto sensu. Na realidade, este “diário” é muito mais uma parceria a posteriori de Francisco de Assis Barbosa, que ao encontrar e comprar os manuscritos de Lima, mais de vinte anos após a sua morte, resolveu compilar uma série de anotações dispersas em várias cadernetas e manuscritos e compor, assim, o referido diário.
O Diário do hospício, no entanto, tem essa característica de ter servido para a ulterior elaboração de um romance específico. Bosi, em seu prefácio, divide com o leitor a sua impressão de que, desde o início, Lima pretendia utilizar aquelas anotações pessoais em uma obra ficcional. Para corroborar essa impressão, o estudioso destaca algumas passagens no diário em que o autor do texto incorpora falas do futuro personagem. Ou seja, Lima, no Diário, registra como suas, avant la lettre, algumas falas de Vicente Mascarenhas, protagonista e narrador do Cemitério. É como se Lima já estivesse com o personagem esboçado e experimentasse a força de seu discurso narrativo no contexto do diário, de resto, o mesmo contexto do romance.  Em outros momentos, Bosi mostra como o autor do diário transforma suas impressões de pessoas reais na características dos personagens descritos pelo narrador do Cemitério.
A leitura dos dois textos mostra-se, assim, muito instrutiva, pois é possível avaliar com facilidade o talento de Lima como ficcionista. É notável como a série de anotações do Diário transforma-se em uma narrativa orgânica e bem desenvolvida artisticamente. Todavia, deve-se lembrar que Lima apenas começou a publicar o romance, interrompendo a publicação em seus primeiros movimentos. Isto significa que apenas o início de Cemitério dos vivos fora efetivamente liberado por seu autor para vir a público. Não se sabe se o restante da obra inacabada, da qual existem somente os manuscritos, era considerada como definitiva por Lima Barreto. A despeito disso, o texto já mostra vigor narrativo e bom acabamento estilístico. Os registros pessoais do Diário ganham densidade e musculatura quando passam a compor a matéria de romance. Os fragmentos do diário articulam-se no romance em uma narrativa bem estruturada e, por conseguinte, perdem a sua característica de flash isolado.
Por outro lado, ao ler o diário, percebe-se um pouco melhor algumas das peculiaridades daquele tipo de instituição. Pode-se dizer que o Hospital Nacional dos Alienados, no início do século XX, internava indivíduos com problemas mentais, mas também todo o tipo de desajustado, entre os quais alcoólatras ou mesmo assassinos.
Também chama a atenção a lucidez com que Lima analisa a sua situação e o porque de estar ali naquele grupo. Ele é muito consciente de que não está ali por ser louco e sim porque não consegue deixar o vício da bebida. Suas reflexões, nesse sentido, aprofundam-se e ele vislumbra de modo muito claro o processo pessoal que o levou a beber. Esse aspecto é importante porque, naquela época, tinha-se uma visão muito moralista acerca do problema do alcoolismo, que naquela quadra não era visto exatamente como um problema de saúde pública.
Essa compreensão de Lima é que vai embasar o perfil do personagem principal do Cemitério, para o qual a “auto-análise” do escritor vai contribuir de forma decisiva. Esse aproveitamento da matéria biográfica tem uma particularidade, pois revela um pouco dos problemas que parte da fortuna critíca da obra do escritor não soube lidar. O escritor durante muito tempo foi acusado de incorporar aspectos de sua vida particular em suas narrativas e isso teria prejudicado suas faturas artísticas. Ocorre que os aspectos de sua vida particular eram aspectos vividos por amplos setores da sociedade brasileira do período. E Lima focalizou em seus romances principalmente — mas não só, e nunca de forma isolada — aqueles aspectos relacionados com o racismo. O mesmo ocorre em O cemitério dos vivos, onde alcoolismo, racismo, pedantismo científico, privilégios de classe e tratamento medieval para os doentes mentais aparecem organicamente entrelaçados.
Uma última palavra deve ser dita em relação à edição. Trata-se do cuidadoso trabalho que os organizadores, Augusto Massi e Murilo Marcondes de Moura, tiveram na recolha que compõe a terceira parte do livro: os contos e crônicas de Lima Barreto, Machado de Assis, Raul Pompéia e Olavo Bilac em torno do tema dos hospícios e da loucura. Junto com a elaboração as preciosas notas espalhadas por toda a obra, tornaram esta uma edição muito especial. 
Álvaro Marins é coordenador de pesquisa e inovação museal do Ibram, e autor de Machado de Assis e Lima Barreto: da ironia à sátira (Rio de Janeiro, Utópus, 2004)

Em breve, textos sobre Rilke, Cezanne, José Mojica Marins, Enrique Vila-Matas...
  

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Cinefilia Política - Encontro com André Dias

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Papel ateia cinza: Filmes perante W. G. Sebald


A relevância política do cinema pode ser compreendida na afinidade entre a inquietante obra literária de W. G. Sebald, autor d’Os anéis de Saturno — que condensa de forma poderosa o ar do nosso tempo numa “prosa de ficção” assombrada por imagens — e os elementos oferecidos na singular arqueologia das camadas dolorosas da história no documentário contemporâneo, em filmes de Akerman, Bitomsky, Panh, Keiller, Marker, McElwee, Nestler, Wiseman, Benning e Lehman e Lee Anne Schmitt, interrogando assim as interferências produtivas entre literatura, cinema e filosofia em prol de uma cinefilia política ainda por vir.



André Dias é autor do blog Ainda não começámos a pensar e programador independente de cinema. Doutorando em cinema na Universidade Nova de Lisboa.


Maiores informações sobre o autor: http://aindanaocomecamos.blogspot.com/

Dia 17/12 [sexta-feira], às 19h, na Moviola



Rua das Laranjeiras, 280 – Rio de Janeiro


Tel.: 21 2285-8339
www.moviolalivraria.com.br

domingo, 12 de dezembro de 2010

O inicio da jornada de Bloom

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  1

Não falaremos do rochedo sagrado
onde a cidade de Jerusalém foi construída,
nem da pedra mais respeitada da antiga Grécia
situada em Delfos, no monte Parnaso,
esse Omphalus - umbigo do mundo -
para onde deves dirigir o olhar,
por vezes os passos,
sempre o pensamento.

  2

Não falaremos do Três Vezes Hermes
nem do modo como em ouro se transforma
o que não tem valor
-apenas devido à paciência,
à crença e as falsas narrativas.
Falaremos de Bloom
e de sua viagem à Índia.
Um homem que partiu de Lisboa.
...


Abaixo, o curta de Emanuel Madalena inspirado no livro Sr.Válery que faz parte da série "O Bairro".

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

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