domingo, 25 de abril de 2010

Tradução

Sai dessa, cara. As vozes não paravam de clamar contra minha imobilidade. Vinham de todos os lados e quase podiam ser vistas no saguão iluminado. Todas as máquinas que cuspiam dinheiro continuavam alheias, inertes, putas bem pagas.

Transpor o blindex e não cair na armadilha lá fora me esperando, impossível. Quem dera sair tranqüilamente para o lusco-fusco da rua, trocar uma das notas que acabara de sacar por um cachorro-quente e sentar no meio-fio, gato pardo mastigando e distraindo os olhos à procura do horizonte no fundo preto da praia.

Perceberam que eu não sairia. Também tentavam disfarçar. Atravessaram para a outra calçada. É agora, os demônios atiçavam, sai agora. Mas com certeza eles voltariam. Atravessavam de novo, um por cada lado, e pronto. Com a arma na cabeça, eu entregaria tudo o que tinha.

É agora. As vozes me chamavam lá de fora. Saí. Não teve jeito: os bandidos atravessaram de volta. Um deles já empunhando a arma. Corri para a rua da praia. O carro do cachorro-quente tinha que me ajudar. Depois do primeiro tiro continuei correndo. Pensei que não tivessem me acertado. Engano. O segundo, o terceiro, o quarto iam derrubando as peças arrumadas no tabuleiro, no meio do jogo.

Agora, aqui, o branco que me deu é o mesmo branco das paredes e das roupas que me cercam. Tento colocar em ordem tudo de novo. Recompor cada movimento do jogo até chegar onde estava quando caí. Se as pessoas acreditassem no que falo, seria fácil. Me tirem daqui, eu diria. Mas lá estava o branco das paredes, das fronhas e dos enfermeiros e eu não sabia dizer o que eles entendessem.

Segmento do romance AnaCrônicas (editora 7 Letras) - de Alexandre Faria

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