sábado, 7 de maio de 2011

Inscrições abertas! Oficina jornalismo cultural :: A escrita da resenha e jornalismo cultural, com Vinícius Jatobá

O texto do jornalista Vinícius Jatobá é uma prévia do que será discutido na oficina de jornalismo cultural na Moviola. Inscrições abertas!

O suplemento literário do New York Times é, claramente, a mais fraca da cobertura cultural do poderoso jornal. É inconsistente e previsível, quando não absurdamente mal escrito. Há momentos luminosos, mas é sempre uma leitura superficial e rasteira. O problema talvez seja mais do péssimo momento literário estadunidense. Se Philip Roth, um ótimo autor cujos novos livros sempre leio, tivesse publicado nas décadas de 1940-60 dos EUA, ele seria claramente um escritor de terceira linha. O que não é ruim, de forma alguma, nem diminui a argúcia de Roth: apenas indica como a arte literária estadunidense era elevada, inclusive no romance de entretenimento policial, naquele período. Foi a Era de Ouro da literatura estadunidense. Os críticos do NYT têm que se virar com que existe no mercado editorial deles, e uma vez que os EUA não traduzem, os críticos vivem com as mãos atadas.

No entanto, o recente especial Why criticism matters do NYT foi interessante. Li todos os artigos com atenção. É um investimento inesperado e excêntrico dos editores do jornal. Escrevo resenhas de livros a uma década. E a cada vez que escrevo uma resenha, sempre me surge a questão da utilidade daquilo. A resposta padrão seria “ajudar na discussão cultural, separar o joio do trigo no caos contemporâneo” e um longo etcétera. Essa resposta não me satisfaz porque não reflete realmente o que penso quando escrevo uma resenha. Desde que li o especial ponderei sobre essa atividade que exerço por uma década já, e é realmente difícil determinar uma razão, um motivo e uma missão para a crítica. Cada resenha me parece muito particular.


O ponto de partida é factual: lê-se de forma diferente quando a intenção é escrever uma crítica. A relação que se tem com o livro determina o lugar de onde se lê esse livro, e a relação de um crítico com o livro é sempre frustrante porque um bom livro provoca muitas possibilidades de leituras, dezenas de fios possíveis. Então, é necessário escolher um impulso essencial. Há críticos que querem educar e gerar conhecimento, iluminar os leitores; outros que possuem uma agenda secreta e escrevem em jornais com imensa circulação para duas ou três pessoas; alguns desejam a comunhão, se integrar com certo grupo, e suas resenhas parecem propostas de namoro. Eu sempre desejei que o livro fosse lido. Parto desse ponto: quero seduzir o leitor a ler o livro porque esse livro me importa. Isso sempre limitou a imensa maioria de minhas resenhas à um grupo muito limitado de possibilidades porque o mercado editorial brasileiro publica muita coisa chata. Mas essa escolha tornou minha atividade de crítico uma festas sem fim: escrever apenas sobre o que gosto. Minha posição de crítico é hedonista: o que eu gosto e me dá prazer. E tento passar esse entusiasmo ao leitor.

Essa escolha pelo prazer, no entanto, entra em tensão com o caráter mais básico do jornalismo: informar. A posição do jornalismo hoje é completamente fragilizada pelo excesso do mundo contemporâneo: tudo é demais. Vivemos mergulhados, quando citadinos, em uma maré de estímulos. A informação hoje está disseminada (não digo democratizada, o que não é verdade), e o jornalismo parece confuso diante desse universo de coisas ágeis e frenéticas. O jornalismo cultural, principalmente, parece não se encontrar com muita facilidade. O jornalista que dá todas as coordenadas ao seu leitor, que informa datas de nascimento, que se limita a informar detalhes que o leitor pode encontrar em excesso em menos de um segundo em qualquer sistema de busca da internet, esse jornalista está à deriva. O leitor que se debruça sobre um suplemento literário tem acesso à toda essa informação, e suspeito que boa parte dos suplementos se tornaram obsoletos porque os críticos e jornalistas escrevem textos que são abertamente redundantes. Pode parecer equivocado, mas a função do crítico não é mais informar: é contagiar.
Sempre me pareceu contraditória a posição de objetividade do jornalista cultural: textos frios e calculados, com frases papai-e-mamãe, apegados aos famosos leads, etcétera. Livros provocam emoção – mesmo que seja de natureza racional. “O que pensa em mim está sentindo”, escreveu o poeta, e há insuspeitado Eros inclusive no onanista catedrático. O que me espanta é a luta dos suplementos para retirar toda e qualquer sombra de prazer de seus textos. É impossível escrever sobre livros ou cinema sem o uso de adjetivos, porque somente prazeres cínicos vêm desacompanhados; e toda essa assepsia provoca o estado das resenhas atuais: o medo do advérbio, a obsessão pelo ponto-final, o terror ao ponto-e-vírgula, o exílio do travessão. Correção, estoicismo, total bons-modos à mesa: e um total desinteresse do público ao que os suplementos oferecem.

É por isso que acredito ser a função do jornalismo cultural, e da crítica literária, contagiar e entreter. Contagiar, porque tem carga emocional, porque leva o público ao livro, porque encontra formas de transformar a literatura (ou cinema) de objeto à instrumento. E entreter porque deve ser escrita de forma a roubar o foco do leitor para o texto: seja pelo adjetivo bizarro, pela sintaxe maliciosa, o texto deve sempre colocar o leitor numa posição de se perguntar sobre o quê, afinal, está lendo. E deve entreter porque ninguém deveria ocupar o espaço público para entediar as pessoas. Como o século passado foi o século que encontrou seu maior vilão na “massa”, os abundantes pernósticos de plantão foram velozes em criar uma separação que nunca existiu antes na história cultural: cultura de massa e cultura “cultura”. Poucas palavras foram tão degradadas quanto entretenimento, a ponto de hoje ser quase um xingamento. Qualquer artista hoje em dia tem horror a dizer que quer entreter as pessoas (até mesmo pelo simples fato de que, no fundo, não deve possuir o domínio técnico e a argúcia necessários para raptar a atenção da audiência e/ou leitor). E creio que a função da crítica é apenas essa: raptar essas mentes, contagiá-las com emoção e idéias, e devolvê-las ao mundo com algum enlevo estético.

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